sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Retalhos de uma profissão ou de uma vida?

Por Glicéria Gil 

Hoje de manhã cedo, vesti o meu casaco de abafo e sai para a rua. Precisava de pensar. Precisava de sentir a vida, esta vida que já vivi em 52 anos e a profissão que estruturei em 32 anos. Sim, porque a profissão estrutura-se e cada um de nós estrutura-a de acordo com as suas crenças, experiências, interacções, contextos e situações.
Pensei no que aprendi, no que a vida me deu, tirou e proporcionou. Como em todas as profissões (ou será vida?) tive momentos muito bons e outros menos bons. Trabalhei em jardins-de-infância muito distantes da minha residência. Fui umas das tais pioneiras na construção da educação pré-escolar pública em Portugal. Sou do tempo do ano preliminar (1978) … que hoje provavelmente os educadores desconhecem que houve um tempo em que existiram os CEPEs (centros de educação pré-escolar) criados em Portugal sobre a tutela do Ministério da Educação que integravam as classes de educação pré-escolar e do ano preliminar. Nunca vi um desses centros. No dia em que me apresentei para trabalhar num dos dois lugares criados no Algarve (uma sala devoluta num edifício de uma antiga escola primária fechado há mais de 20 anos, uma sala cheia de buracos, meia dúzia de carteiras apodrecidas e uma lareira) lembrei-me dos anos em que andara na escola. Do frio que sentira e da lareira que nunca se acendeu. E agora, aqui estava eu com uma lareira que queria que aquecesse, que queria que tivesse vida.
São estas minhas memórias que me identificam com a LISTA B, a lista do movimento +APEI porque quero uma Associação com vida, que se preocupe com os Educadores enquanto pessoas e profissionais, que os leve a estar cada vez mais informados e formados, que encontre os meios e as formas de os ajudar a ultrapassar dificuldades, que lute com eles e por eles, que queira o melhor para todos nós, educadores, crianças, pais, sociedade, país, mundo …

4 comentários:

  1. Olá Glicéria e restantes colegas,

    Apesar de andar nisto há menos tempo do que tu, ainda consigo identificar-me em algumas das situações que nomeias.

    No meu primeiro ano de trabalho no oficial, fiquei colocada num JI que funcionava num pré-fabricado com mais de 20 anos, todo em madeira a cair de podre, cheio de ratos e onde chovia dentro.

    Quando lá cheguei tinha 4 crianças sentadas no chão, de olhitos arregalados virados para mim. Não havia cantina, por isso, como moravam muito longe dali, a maior parte dos inscritos não frequentava o jardim...

    Mas quando de lá saí, apenas 6 meses depois, tinha a frequentar 12 crianças regularmente, era servida uma refeição quente a todas elas e, a partir dessa altura, criaram-se condições de dignidade para um exercício da Educação com E grande.

    Porque às vezes são as pessoas que fazem a diferença, eu identifico-me com esta lista, com este grupo de profissionais que vou conhecendo virtualmente (e alguns pessoalmente).

    Estou ao dispôr para o que precisarem e a alguns de vós... encontramo-nos em Braga!

    Bjs, Juca

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  2. Estas reflexões tornam-se interessantes!
    No meu primeiro ano de trabalho entrei para uma IPSS, fui para uma sala novinha a estrear, num equipamento também ele novo (apesar de as condições na creche estarem longe daquilo que são).

    Nunca estive numa sala com lareira nem com buracos no chão, é verdade. Provavelmente dirão que já sou outra geração. E até é verdade. Mas as "problemáticas" também são outras.

    É Depois de 12 anos de Educação de Infância entre creche, jardim-de-infância, coordenação pedagógica e, quis o destino, uma incursão no ensino superior, neste momento sou contratada (com todos os significados que a palavra possa ter).

    O primeiro ano no oficial foi num TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária). Não tinha buracos nem lareiras mas a indisciplina e o bullying (sim, na educação pré-escolar) eram uma realidade.

    Mas é como dizem, as pessoas é que fazem a diferença. E fizeram! Com as pessoas encontrei a tal lareira que aquece mas também alguns ventos. Se não fossem as pessoas com quem me cruzei não teria superado as (minhas) dificuldades, não tinha crescido com a Educação de Infância.

    Novas realidades, novas problemáticas, novas experiências... tudo necessário à formação e reflexão de um profissional que se constrói diariamente em interacção com os outros. Este movimento tem sido um bom contributo e é bom crescer com pessoas assim, que vivem a profissão.

    Até já.

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  3. Nas histórias de vida e de profissão de cada um de nós inscreve-se a vida e as histórias de todos os que as viveram connosco e, neste testemunho, mais do que reflectir sobre o que vivi ao longo dos meus anos de profissão gostaria de reflectir um pouco sobre essas companheiras tão preciosas e tão esquecidas que são as assistentes que nos acompanham no dia a dia. A realidade, com elas, é praticamente a mesma que encontrei no inicio da minha prática. Mudaram-lhes o nome, é verdade, foram contínuas – aqueciam o leite e faziam as sandes num canto da sala, foram tarefeiras, aparecendo só por algumas horas para limpeza, foram auxiliares e tiveram esperança que seria aí que se iria dar o seu crescimento como profissionais. Agora são assistentes, mas a preparação para lidar com as crianças que assistem está na sua sensibilidade e no nosso acompanhamento. E esta é uma realidade que não tem sofrido alteração. Podem ser nossas companheiras, parceiras, cúmplices ou podem ser um estorvo ou uma dor de cabeça….
    Urgente, muito urgente formar, dignificar este grupo de pessoas que, na sua grande maioria possui excelentes qualidades humanas, é sensível e afirma gostar do que faz – pelas crianças, claro, seria impossível ser pelo salário…

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  4. Tal como a Rute, comecei a SER educadora numa IPSS... eu, por lá fiquei! a vida levou-me a conhecer gentes e experiências de todo o país mas, desde que começei a trabalhar, assentei arraiais na Nazaré e já faço, como se costuma dizer, "parte da mobília"! Não conheço o oficial nem as dificuldades de estar longe, de percorrer kms diárias para chegar a horas junto dos olhitos brilhantes...conheço outras dificuldades...comecei a trabalhar numa terra desconhecida, terra difícil para "estrangeiros", terra de boas gentes que, embora tenham demorado a deixar-se conhecer, me apoiaram e me deixaram ganhar confiança, mostrar o meu trabalho, criar relações...hoje, são gentes que confiam - gentes em quem eu confio! As dificuldades de estar numa IPSS foram-se fazendo sentir ao longo destes (quase) 10 anos...entre mudanças de direcção, novas regras, novas caras...excelentes profissionais que, apesar de tudo, passaram como uma brisa suave e seguiram o seu caminho - educadores, auxiliares... ficaram as memórias, as relações...e é de relações que se constroem as nossas histórias! com essas relações aprendemos, reflectimos, crescemos...e mais 10 anos irão passar, outras dificuldades surgirão e, reflectindo entre voos rápidos e lentos, voos rasantes, uns sós outros bem acompanhados, continuaremos a construir a nossa história e a de todos quantos connosco se cruzarem... e entretanto, como já foi dito, precisamos de formação e de informação; de unir, de reunir, de partilhar, de reflectir...precisamos de trabalhar em conjunto, de colaborar, de aceitar a diferença, de acompanhar a mudança...e, acima de tudo, de VOAR!

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